sexta-feira

A FOME - Povolzhye famine

Pergunte sobre ela aos seus pais, aos seus avós. Relembre as histórias dos mais velhos, contadas com emoção e só interrompidas por uma baforada ou outra num fedorento cachimbo. Eis a maldita fome, presente, desde os sofrimentos mais breves do jantar que se demora, até os limites em que o corpo se auto-canibaliza: Primeiro o açúcar, seguido das proteínas, depois a gordura e finalmete, a própria carne e para manter-se vivo, o corpo só não come os próprios ossos porque são duros de roer! A fome é a responsável por delírios, experiências místicas do jejum e, porque não?, a desencadeadora de comportamentos naturais desprezíveis para os padrões civilizados. É preciso aqui enfatizar que, para estes padrões, a fome fica na calçada, no outro lado da rua, do outro lado do restaurante. Provavelmente provará dos restos que a inimiga opulenta da fome, a fartura, passou a desprezar. Acreditava-se que a fome tivesse como indicador uma diminuição de glicose no fígado. Seria este fator que desencadearia a sensação e as atitudes necessárias para sanar o problema. Mas e os casos extremos? Quando não há a senhora fartura por perto? Quando o senhor destino casa-se com a senhora fome para eclodir dentro dos desgraçados famintos, seus parasitas? Não podemos dizer: Isso eu não faço. Isso é coisa de animal! O que somos? O que conhecemos de nossos instintos? Só saberemos o que somos se a teoria e a virtude nos for roubadas pela mais dura realidade. Aí, o instinto de sobrevivência passa por cima de qualquer mandamento!

Diderot, em seu célebre diálogo: O sobrinho de Ramaeu, diz : " The voice of conscience and honour are really feeble when one's guts are crying out " - A voz da consciência e da honra é bastante capenga quando as tripas gritam. http://records.viu.ca/~Johnstoi/diderot/rameau_E.htm Verdade pura. Não há princípios e regras que segurem o estômago. A vida depende de comida e não de doutrina!

Diriam os românticos que nada vence o amor. Diriam os doutrinários que nada vence a fé. Diriam os políticos que nada vence uma nação. Diriam os nobres que nada vence o heroísmo.

Mas o que fariam estes todos se a realidade nua e cruel caísse-lhes sobre o corpo como uma camisa de espinhos a rasgar-lhes as vísceras com a dor da fome?

Não sei o que diriam. Mas sei o que fariam:

Na Rússia pós revolução. O comunismo era a bandeira da igualdade, da irmandade. Todos trabalhando para fazer da nação uma potência do futuro. Assim a fizeram! Mas a que custo? Uma doutrina não vale uma vida, quem dirá milhões!

Um bom exemplo de que o discurso não condiz com a prática está na história da região de Volga-Ural, ao sul. Não se sabe quantos milhões morreram de fome. Para os políticos com certeza este tipo de propaganda não era saudável ! Melhor que morressem no silêncio das correntes do comunismo. Melhor que morressem de fome e frio e não revelassem que a utopia da igualdade escondia a execrável desigualdade comunista!

Famílias desta região, abandonadas pelo partido e pela irmandade que construía uma superpotência nuclear, tomaram a decisão de sobreviver. Contrariaram o desejo de barrigudos de mesa, ocupados com papéis e despachos nos luxuosos apartamentos de Moscou!

Melhor que morrecem, mas não morreram. Tomaram o ato extremo de matar e comer a carne dos próprios irmãos, dos próprios filhos, mas sobreviveram para mostrar ao mundo que doutrina e utopia não enchem barriga. Contra despachos e carimbos responderam com a vida, mesmo que a vida custasse a morte. Essa é a ironia máxima de um comunismo que jogou fora seu rico valor humano em troco de discurso e autoridade.

Responda-me você que lê: Qual é o pior canibalismo? O da sobrevivência ou o canibalismo político que suga suas forças, suas riquezas e seu destino para um, digamos, " bem comum " ?

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